segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Missionários da Liturgia?



Monsenhor João Alves Guedes

 

          A Igreja está sempre nos recordando a incompatibilidade que há entre sermos cristãos e não sermos missionários. O ser do cristão se alimenta continuamente no ser missionário. A Igreja possui todos os ingredientes divinos e humanos para oferecer-nos suportes na realização de um trabalho pela construção do Reino, onde homens e mulheres tenham condições de crescerem como pessoas queridas e amadas do Pai do céu. A Igreja nos defende já em nossa concepção; recebe-nos como filhos; oferece-nos o Pão do Céu; unge-nos para termos forças e nos envia como trabalhadores de uma grande lavoura cuja produtividade e colheita podem correr perigos sem a nossa constante atividade. Esta lavoura é ampla, diversificada e oferece trabalho para todos. Há muitas tarefas desde a sala de nossa casa, na vizinhança, nas ruas, nas famílias e em todos os lugares do universo. Esta é a visão de conjunto no campo da missionariedade. Não podemos pensar que o trabalho missionário esteja longe. É claro que a missão continental e além fronteiras são preocupações de toda a Igreja.

          É sensato pensarmos com seriedade nossas atividades caseiras, paroquiais e arquidiocesanas não numa dimensão de excentricidade, mas de responsabilidade, tomando como meta a realidade do Corpo de Cristo, edificado pelos seres humanos espalhados pelo mundo inteiro mas que também estão muito perto de nós.

          Cada função contemplada nas Dimensões da Ação Evangelizadora é missão urgente. Neste sentido, qualquer encargo assumido com esforço, responsabilidade e doação contempla fortemente o apelo missionário da Igreja.

          As atividades voltadas para a Sagrada Liturgia, a pastoral litúrgica, as comissões diocesanas e paroquiais e o ensino da Liturgia continuam sendo uma preocupação da Igreja no cinquentenário da Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a Liturgia.

               Há muito para plantarmos, cuidarmos e colhermos nesta lavoura do trabalho com a pastoral litúrgica recheada de aventuras. Parece que a pastoral litúrgica, que ainda não se tornou prioridade entre nós, é um vasto terreno de “missão”. Carecemos de muitos e excelentes “missionários” da liturgia. Afinal, o sujeito da missão se encontra em todas as pessoas oferecidas ao Pai no lenho da cruz pelo Cristo que venceu a morte, está vivo e ressuscitado, presente e atuante na vida e na história de cada pessoa e a Liturgia nos proporciona um encontro comunitário e pessoal com o Senhor que é o centro de toda ação litúrgica.

          Os cinquenta anos da Constituição Sacrosanctum Concilium poderia e deveria ser um espaço em nossa história eclesial que vive à luz do Concílio Vaticano II, um tempo de ação de graças, de reflexão, estudo e melhor estruturação de nossa caminhada litúrgica. Ação de graças pelo grande dom que o Espírito Santo nos deu através dos dezesseis documentos do Concílio, sendo a Sacrosanctum Concilium o primeiro a ser aprovado; reflexão e pedido de perdão por não termos caminhado mais e melhor em tudo o que nos trazem as determinações litúrgicas entre tantas outras provenientes do magistério da Igreja.

          O estudo da Liturgia precisa seguir as determinações da Igreja para os padres conhecerem com segurança as maravilhas do Deus Uno e Trino, a Virgem Maria e os Santos na mística das celebrações litúrgicas das quais eles são os presidentes. Graças a Deus, alguns institutos de formação dos padres estão levando a sério o estudo da Sagrada Liturgia.

          A melhor solução no serviço à pastoral litúrgica e na condução dos ritos que nos levam ao mistério celebrado, não é e nunca será um retorno ao passado e nem a invenção de um grande aparato de ritualismo sempre danoso à ação celebrada. O rito executado com segurança é a expressão segura da epifania do Mistério Pascal. É urgente a presença do indispensável bom senso para que se desenvolva o rito na utilização de uma simbologia exigida pela seriedade da ação celebrada. Quando se utilizam pessoas e objetos em demasia, sufoca-se o rito e a comunicação com o sagrado se dispersa. O equilíbrio e a sensatez não podem ficar fora do contexto amadurecido de uma ação litúrgica.

          O espírito e a ação missionários são ingredientes do nosso ser de cristãos. A Liturgia perpetua a ação de Jesus entre nós e nos fortalece para o serviço maduro e continuado.

          Todo e qualquer trabalho de um cristão tem que ser assumido como fonte de missão. A Liturgia emana uma fonte perene de graças; por isso, ela é uma fonte de missão e os operários das ações litúrgicas devem se sentir missionários.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

O MUNDO POSSUI UM FRANCISCO




Monsenhor João Alves Guedes

 

Abre-se a porta do avião e milhares de olhos se voltam para um hóspede que desembarca num país chamado Brasil. Era o sumo pontífice, o santo Padre Francisco ou, simplesmente, o papa, o Bispo de Roma, como ele prefere ser chamado.

Ao caminhar para o cumprimento das pessoas, já podíamos perceber que se tratava de alguém dotado de equilíbrio poucas vezes apreciado.

O veículo que o conduzia era simples e de cor diferente dos demais.

O vidro aberto nos possibilitava ver Francisco que nos recomendava    abrirmos as portas do coração, dos ouvidos e da inteligência, porque grandes surpresas estavam para acontecer.

O povo vibrava.

Nem a incompetência das pessoas responsáveis pela segurança papal atrapalhava o doce homem de branco, Cristo entre nós. Aliás, uma leitura do que ele nos queria dizer com o vidro do carro aberto é forte demais.

Ao longo do percurso, iniciava-se um lindo ritual de tomar as crianças nos braços, neste país onde as crianças, os idosos e os pobres não encontram abertas muitas portas de casas, hospitais e escolas.

No encontro com as autoridades desta terra, Francisco revelou que trazia um presente para esta Nação, que, às vezes, bate nos fracos e protege os mais fortes. Ele trouxe Jesus Cristo.

Na cidade do Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa que guarda tantas belezas e tantas pobrezas, era fácil vermos as bandeiras que tremulavam em cento setenta e cinco países-cores; os jovens repletos de brilhos, envolvidos pelas danças, que cantavam no frio e na chuva.

Não queríamos o “papa móvel”, mas o “papa imóvel”. Todos queriam tocá-lo e dizer: “Francisco, eu te amo, o Brasil e o mundo te amam.”

 No Santuário de Aparecida, Francisco falou com a Mãe e a Mãe certamente sorriu para ele. 

Na comunidade de Varginha e no hospital São Francisco, contemplamos um dos momentos fortes da presença de Francisco entre nós: o papa falou, caminhou, sorriu, emocionou, abraçou e abençoou muitos irmãos nossos, esquecidos da sociedade e vitimas das agruras das mais diversas necessidades. Como se sentirão os idosos, os jovens necessitados e as crianças depois que Francisco esteve com eles?

A exemplo do Francisco de Assis, nosso Francisco parecia chamar de irmãos os montes, as colinas, os pássaros, as praias, as ruas, mas guardava para as pessoas um aconchego especial.

As pessoas estavam deslumbradas: lágrimas brotavam de emoção em milhares de faces. Os corações batiam mais forte. O céu parecia estar mais vizinho de todas as pessoas. O Campo da Fé, local anteriormente programado para receber os peregrinos e o Papa, estava repleto de lama. Ninguém previu  que poderia chover ?!..Então, lembrou-se de Copacabana; ah, Copacabana! Ali, sempre existiu um campo de beleza, de ternura, de cantos e encontros, de versos e poesia. Naquele lugar atapetado pela areia e enfeitado pelas águas quase dez milhões de pessoas se aglomerou durante as quatro celebrações do Papa Francisco. O coração do povo se alegrava, a fé aumentava, renascia a esperança e o desejo de “ver” o céu amadurecia.

Nunca vimos na história do Rio de Janeiro tanta gente reunida cantando, rezando, vibrando e silenciando em momentos divinos quando a Trindade Santa falou através do barulho das ondas do mar. Quase quatro milhões de pessoas de todas as partes do mundo, presentes naquele histórico domingo de sol, sentia o amor de Deus agindo fortemente na história da humanidade de hoje, escrita com lágrimas, sangue e morte de tantos irmãos nos diversos continentes.

Como os momentos de transfiguração passam rápido e o Tabor não é morada definitiva, o Papa Francisco começava suas despedidas, no feliz domingo dia 28 de julho de 2013, na maior celebração da missa de envio. Todos os homens e mulheres presentes e ausentes foram enviados a buscarem a cultura do encontro.

 Vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores, chefes das Nações, principalmente do Brasil não podem cultivar uma cultura em que existam privilegiados recebendo honras, glórias e fortunas em detrimento das dores do nosso povo, vítima da maldade da ganância do “ter mais”.

 A simplicidade deve estar presente na missão dos bispos e padres para que eles sigam ao encontro do povo de Deus a eles confiado. Não se mede a seriedade dos homens que receberam o sacramento da Ordem pela suntuosidade de vestes, carros e casas, mas pela nobreza da pobreza evangélica.

Finalmente, Francisco retornou à Cidade Eterna, com sua maleta que contém alguns objetos e que, com certeza, levou, no coração, todos nós que o vimos e o ouvimos.

O Brasil, depois do Papa Francisco ter pisado em nossa terra, precisa ser melhor. Você e eu precisamos ser melhores.

Abençoe-nos, querido Papa Francisco, porque nós já o abençoamos.             

   

  (¹) Monsenhor João Alves Guedes – Escritor, Professor, Assessor de Liturgia do Regional Leste 1 da CNBB e Pároco da Igreja São Lourenço de Niterói RJ