quarta-feira, 31 de outubro de 2018

A estrada.


C. S. Lewis em “O Regresso Do Peregrino”, uma releitura da obra clássica “O Peregrino” (1678. John Bunyan), nos fala das visões que John (personagem central) tem de uma ilha e a sensação que lhe provoca um intenso mais passageiro anseio, acompanhado de uma intensa sensação de obrigação moral. Na tentativa de entender essa sensação de anseio “John” se vê a volta com falsas tentativas e falsas compreensões desse anseio. O Regresso do Peregrino explora esses falsos caminhos ao longo do curso da vida.
É empregado uma imagem de uma estrada que conduz a essa ilha pela qual John anseia. Essa estrada é margeada ao Norte e ao Sul por terras áridas. Ao Norte os pensamentos objetivos baseados na razão, ao Sul os subjetivos baseados na emoção, imaginação. Quanto mais o protagonista se afasta do centro da estrada, tanto mais extremas se tornam suas posições. Lewis defende na obra o pensamento racional contra argumentos puramente baseados nas emoções, ao mesmo tempo que se recusa a aceitar uma abordagem puramente racional da fé. Para Lewis é necessário haver uma forma que concilie ou reconcilie razão e emoção, essas duas forças aparentemente opostas.
Ao passo que a narrativa da obra avança, se torna cada vez mais claro que essa reconciliação só pode ser fornecida pela “Madre Igreja” (embora muitos atribuam a imagem aqui apresentada a Igreja Católica, Lewis fala do Cristianismo puro e simples).
Percorrendo as terras ao norte da estrada John encontra maneiras de pensar que desconfiam profundamente de seus sentimentos. O Norte é uma região fria, clinicamente racional, de sistemas rígidos, Extremismo religioso tradicionalista, ortodoxias insípidas, seletivamente arrogante, de um racionalismo extremo, que leva a errônea conclusão que os sentimentos e emoção são sempre duvidosos. O Sul é uma terra onde todos os sentimentos se justificam pelo simples fato de serem sentidos, o ascetismo, o niilismo, o liberalismo religioso, em um ambiente propicio a intoxicação mística ou emocional.
Lewis fala desse desejo provocado pelo anseio como um profundo abismo da alma humana, tão grande que só Deus pode preencher. Normalmente entendemos esse desejo como um anseio por algo tangível e presente no mundo. John que desejava a ilha (matéria) aos poucos percebe que seu verdadeiro anseio é pelo “proprietário” (Deus, a fé) da ilha.
O Regresso do peregrino descreve duas jornadas, a de ida à ilha e a de volta. Depois de chegar à Fé (ilha onde encontra seu proprietário, e a fé) percorrendo a estrada de volta, regressando pela mesma paisagem da ida, descobre que a aparência das coisas mudou. John agora enxerga de uma forma nova, está enxergando (pela lente da fé) a verdadeira forma das coisas, tal qual foram criadas, como são na realidade. Segundo C. S. Lewis a fé cristã nos permite ver as coisas como elas realmente são.

(cf. Alister McGrath, “C. S. LEWIS DO ATEÍSMO AS TERRAS DE NARNIA”)

Assim como John, caminhamos em uma estrada ladeada de armadilhas travestidas de boas coisas, tendemos a nos abandonar em um racionalismo extremo ou a um liberalismo tão extremo quanto. Identificamos o mundo como alvo final de nosso caminho para a Fé, como a ilha para John, não acreditamos da mediação e conciliação entre um lado e outro, muitas vezes defendendo ferreamente nossa posição. Deixamos nos levar pelos falsos conceitos de realidade e compreensão errônea das coisas, pois olhamos com os olhos da razão ou os da emoção (imaginação), enquanto não alcançamos a fé de fato estamos sujeitos a um extremo ou outro do caminho.
A Santa Madre Igreja (aqui falo da Igreja Católica em si) é nossa guia nesse caminho, nos orientando, sendo a conciliadora dos extremos e trazendo a centralidade dessa estrada, o próprio Jesus Cristo. Ao fim dessa estrada, alcançando a fé, não concluímos a caminhada, pois há ainda o regresso. Mas a partir daqui tudo muda, pois a luz da fé, razão e emoção na medida certa, estamos diante de um mundo completamente novo aos nossos olhos, pois como nos anuncia At 9,9-19 e 2Cor 3,13-16, nossos olhos foram abertos, o véu que os cobria removido pela fé.
Por isso o período Pré-catecumenal é tão importante, fazer os catecúmenos se apaixonar por Cristo, removemos o véu e lhe abrimos os olhos, semeamos a fé. Assim o caminho que se segue é por uma perspectava completamente nova, embora estejam fazendo o caminho de volta na estrada, agora olham a tudo com um novo olhar, enxergando a realidade da natureza das coisas, criação Divina, com a lente da fé e a condução da Santa Madre Igreja podemos nos aprofundar sem o risco de cairmos nas armadilhas do extremismo ou do relativismo.
Buscamos plenitude de nosso ser no mundo perene, ao passo que só podemos alcançar essa plenitude fora deste mundo, na morada eterna, junto de Deus.

Diác. Adriano Gomes.

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