sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Os sete sacramentos

 

Os sete sacramentos acompanham o homem e a mulher em todos os momentos da vida do Cristão:

 Iniciação:

Batismo: Nascimento da pessoa e inserção na comunidade cristã;

Crisma: A pessoa confirma a sua fé e o desejo de caminhar com a comunidade.

Eucaristia: A eucaristia alimenta a fé, fortalece a caminhada para a vivência do batismo.

 Cura:

Penitência: Diante da queda, a reconciliação com a comunidade, com Deus, com o irmão e consigo mesmo.

Unção: Diante da enfermidade, a esperança da cura; diante da morte a esperança da vida eterna.

 Serviço:

Matrimônio: Assumir o compromisso com uma outra pessoa, a partir do amor ágape, colaborando na construção do reino.

Ordem: Compromisso com as pessoas, cuja missão é celebrar e viver o Cristo Bom Pastor, ajudando-as na construção do Reino.

 

 Como a ordem natural, os sacramentos apresentam os elementos na ordem espiritual:

 

1. O batismo é o nascimento da Graça;

2. A crisma é o desenvolvimento da Graça;

3. A eucaristia é o alimento da alma;

4. A penitência é a cura das fraquezas da alma;

5. A Unção dos enfermos é o restabelecimento das forças espirituais;

6. A ordem gera a autoridade sacerdotal;

7. O matrimônio assegura a unidade para a continuação do Reino de Deus colaborando com a unidade, a geração de filhos e a vivência do amor fraterno (família, berço da vida);

domingo, 23 de novembro de 2025

Solenidade de Cristo Rei

 

A Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, foi instituída pelo Papa Pio XI em 1925 através da sua encíclica Quas Primas, publicada no dia 11 de dezembro.

·         Data Original: Inicialmente, a festa era celebrada no último domingo de outubro.

·         Mudança Pós-Vaticano II: Com a reforma litúrgica após o Concílio Vaticano II (em 1969), a Solenidade foi transferida para o último domingo do Ano Litúrgico (entre 20 e 26 de novembro). Esta mudança sublinha que Cristo é a meta da história e o fim último da nossa peregrinação terrena, encerrando e coroando todo o ciclo de celebrações.

 

A Motivação Principal (A Peste do Laicismo)

O Papa Pio XI instituiu esta festa em um contexto mundial marcado por profundas transformações e crises, especialmente após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), e tinha uma motivação clara: reafirmar a soberania de Jesus Cristo sobre todas as esferas da vida humana e social.

A motivação central foi combater o que Pio XI chamou de "peste" de seu tempo: o laicismo (ou secularismo radical), que buscava remover completamente a autoridade e a lei de Deus e da Igreja das leis, da moral pública, da política e da sociedade.

·         Contra a Autonomia Radical: A festa servia como um lembrete solene de que as nações e os indivíduos não são soberanos absolutos. Mesmo as autoridades civis devem reconhecer que estão submetidas à autoridade moral e às leis de Cristo, o Rei dos reis.

·         A Solução para a Crise: Pio XI via o reconhecimento universal da realeza de Cristo como o remédio mais eficaz para os males da sociedade moderna, que incluíam a divisão, a ganância e a rejeição dos valores cristãos. Ele resumiu isso no lema: "A paz de Cristo no Reino de Cristo" (Pax Christi in Regno Christi).

 

Portanto, a Solenidade não é apenas uma devoção individual, mas um ato público que clama para que a justiça, a paz e a caridade, os atributos do Reino de Cristo que se manifestam na Cruz, possam moldar e redimir o mundo.

 

Cristo Rei, o Cordeiro Sacrificial

A Santa Igreja Católica celebra a Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. É o coroamento do Ano Litúrgico e a proclamação da verdade central de nossa fé: Cristo é o Soberano de tudo o que existe, de todo o tempo e de toda a eternidade.

Mas a realeza que celebramos não é como a realeza deste mundo. A comunidade judaica esperava um Messias-Rei guerreiro, que empunharia a espada, travaria batalhas e libertaria Israel através do poder bélico. Um rei que, como num jogo de xadrez, sacrificaria seus "peões", o seu povo, para proteger a si mesmo no trono.

O Evangelho de hoje, porém, e toda a Escritura nos revelam o oposto: o nosso Rei se sacrifica em função da salvação de Seu povo.

 

1. O Rei Cordeiro na Escritura Sagrada

O profeta Isaías, ao falar do Servo Sofredor, já antecipava essa realeza paradoxal:

 

“Ele, porém, foi ferido por causa das nossas transgressões, esmagado por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz caiu sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados.” (Isaías 53, 5).

 

Esta é a imagem do Rei que sofre e carrega o peso de Seus súditos. E o apogeu desta verdade se encontra no Calvário. O trono de Cristo não é um palácio dourado, mas a Cruz; Sua coroa não é de ouro, mas de espinhos. O título real: "Jesus Nazareno, Rei dos Judeus" (João 19, 19) foi afixado em Seu madeiro, o lugar de Seu supremo sacrifício.

O Apóstolo São Paulo resume essa realeza sacrificial na Epístola aos Filipenses:

 

“Tendo a condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo... humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz.” (Filipenses 2, 6-8).

 

2. A Realeza de Serviço e Sacrifício na Tradição

Os Padres da Igreja meditaram profundamente sobre esta singularidade. Santo Agostinho, por exemplo, nos lembra que Cristo reina servindo. Ele é o Rei cuja realeza se manifesta na caridade e na humildade. Ele lava os pés de Seus discípulos (João 13, 1-17), dando-nos o modelo de Seu governo.

O Catecismo da Igreja Católica (CIC) reforça que Jesus cumpriu a esperança messiânica não pela força militar, mas pela humilhação:

 

“O Reino de Cristo é 'justiça, paz e alegria no Espírito Santo' (Rm 14, 17). A vinda do Reino, na Sua realeza, realizou-se no mistério pascal (Sua Paixão, Morte e Ressurreição). [...] Cristo é o Rei do Universo por herança (Sua divindade) e por conquista (Sua Cruz).” (Ver CIC 786 e 668).

 

O Concílio Vaticano II, na Constituição Dogmática Lumen Gentium, reafirma que Cristo estabeleceu Seu Reino não por manifestações de força, mas por Sua total doação:

 

“Cristo Senhor... consumou a salvação da humanidade e a glorificação perfeita de Deus com o Seu principal Sacrifício no altar da Cruz.” (Lumen Gentium 3).

 

3. Aplicações para a Vida Cristã

Irmãos, a Solenidade de Cristo Rei nos convida a reavaliar a nossa própria noção de poder. Se o nosso Rei se entrega por nós, também nós somos chamados a entregar a vida em sacrifício e serviço aos outros.

O poder de Cristo se manifesta no amor que cura, no perdão que liberta e na Eucaristia; o sacrifício do Rei Cordeiro, renovado em nosso altar. É o Rei que se faz Pão para alimentar o Seu povo.

Ao celebrarmos a Sua Soberania, renovemos nossa fidelidade a este Rei humilde, a este Rei crucificado, que provou que o amor sacrificial é a única forma verdadeira de reinar.

 

Cristo venceu! Cristo reina! Cristo impera!

 

Amém.

terça-feira, 11 de novembro de 2025

A Misericórdia e a Justiça Divina diante da Vida Humana à Luz da Doutrina Católica

 Reflexão teológico-doutrinal a partir da obra de J. R. R. Tolkien

Resumo

A partir da célebre citação de Gandalf, personagem criado por J. R. R. Tolkien em O Senhor dos Anéis, este artigo propõe uma leitura teológica que integra a antropologia cristã e o magistério da Igreja Católica, especialmente quanto à inviolabilidade da vida humana, a ilegitimidade da pena de morte e a gravidade moral do aborto. A reflexão busca mostrar como Tolkien, profundamente influenciado por sua fé católica, expressa na literatura uma verdade teológica: o homem não é senhor da vida nem da morte. À luz da Sagrada Escritura, do Catecismo da Igreja Católica e do Código de Direito Canônico, demonstra-se que tanto a pena de morte quanto o aborto são expressões de uma justiça humana que, ao pretender corrigir o mal, acaba por negar o dom divino da vida.

Palavras-chave: Tolkien; Doutrina Católica; Vida; Pena de Morte; Aborto; Misericórdia; Justiça.

1. Introdução

Em O Senhor dos AnéisA Sociedade do Anel, Gandalf dirige a Frodo uma das frases mais marcantes de toda a obra de J. R. R. Tolkien:

“Muitos que vivem merecem a morte. E alguns que morrem merecem viver. Você pode dar-lhes a vida? Então não seja tão ávido para julgar e condenar alguém à morte. Pois mesmo os muitos sábios não conseguem ver os dois lados.” (TOLKIEN, 2001).

Essa citação carrega uma densidade ética e espiritual que ultrapassa o campo da ficção. Tolkien, católico praticante e profundamente influenciado pelo pensamento cristão, expressa aqui uma teologia da humildade diante do mistério da vida e da morte. A reflexão propõe uma leitura desta passagem à luz da doutrina católica, integrando Sagrada Escritura, Catecismo da Igreja Católica e Código de Direito Canônico, com enfoque nas temáticas da pena de morte e do aborto.

2. A vida como dom e mistério

A antropologia cristã parte de um princípio fundamental: a vida humana é sagrada e inviolável, pois tem em Deus sua origem e seu fim (CIC, n. 2258). A vida não é propriedade do homem, mas dom confiado à sua responsabilidade. Nenhum poder humano pode legitimamente decidir sobre o fim da vida inocente. A advertência de Gandalf ecoa esta verdade teológica: o homem, mesmo sábio, não detém a perspectiva total da justiça divina.

3. “Você pode dar-lhes a vida?” — A limitação do juízo humano

A pergunta de Gandalf possui um caráter teológico profundo: “Você pode dar-lhes a vida?” (Dt 32,39). Somente Deus é Senhor da vida e da morte. Este reconhecimento conduz à humildade diante do mistério da providência divina. O julgamento humano não pode pretender a retidão do juízo divino, conforme o Evangelho: “Não julgueis, e não sereis julgados” (Lc 6,37).

4. A pena de morte: o juízo sem misericórdia

Historicamente, a Igreja admitiu a pena de morte como último recurso de legítima defesa (CIC, ed. anterior, n. 2267). Contudo, o desenvolvimento da doutrina levou à reafirmação de que tal prática é inadmissível. O Catecismo atualizado declara: “A Igreja ensina, à luz do Evangelho, que a pena de morte é inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e a dignidade da pessoa” (CIC, n. 2267). O Código de Direito Canônico, cân. 1311 §2, expressa o mesmo princípio: as penas têm sempre em vista o bem espiritual do fiel e a reparação do escândalo.

5. O aborto: o juízo humano contra a vida inocente

Se a pena de morte representa o abuso do poder sobre a vida do culpado, o aborto manifesta o mesmo abuso sobre a vida do inocente. O Catecismo ensina: “A vida humana deve ser respeitada e protegida de modo absoluto desde a concepção” (CIC, n. 2270). O Código de Direito Canônico, cân. 1398, reforça: “Quem procura o aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae.” Tal sanção não é mera punição, mas reconhecimento da gravidade espiritual de atentar contra o dom da vida.

6. Misericórdia e justiça: os dois lados que só Deus vê

A frase de Tolkien evoca o equilíbrio entre misericórdia e justiça. A justiça divina é perfeita porque é também misericordiosa: “A misericórdia triunfa sobre o juízo” (Tg 2,13). A sabedoria de Gandalf reflete o coração do Evangelho: a justiça que não é temperada pela misericórdia se torna injusta.

7. Conclusão: A santidade da vida e o primado da esperança

À luz da doutrina católica, a frase de Tolkien assume força profética. Ela denuncia a pretensão humana de decidir o destino da vida e convida à conversão do olhar. Como ensina João Paulo II em Evangelium Vitae (n. 3), toda ameaça à vida humana exige solicitude e defesa. Tanto a pena de morte quanto o aborto revelam uma sociedade que perdeu a confiança na graça. Quem não pode dar a vida, não deve tirá-la — e quem conheceu o dom da Vida em Cristo, deve defendê-la até o fim.

Referências Bibliográficas

·         TOLKIEN, J. R. R. O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

·         BÍBLIA SAGRADA. Edições CNBB, 2018.

·         IGREJA CATÓLICA. Catecismo da Igreja Católica. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 1997; edição atualizada 2018.

·         IGREJA CATÓLICA. Código de Direito Canônico. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 1983.

·         JOÃO PAULO II. Evangelium Vitae. Vaticano, 1995.

·         FRANCISCO. Carta ao Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a nova redação do n. 2267 do Catecismo da Igreja Católica. Vaticano, 2018.

Diác. Adriano Gomes

 Correção Ortográfica, formatação ABNT e associação das fontes e citações com auxilio do ChatGPT

Justiça não é Cura

 

Reflexão teológico-literária inspirada em J.R.R. Tolkien e na Doutrina Católica

 

"Nem deveis esquecer que [...] Justiça não é Cura. A Cura vem apenas por meio de sofrimento e paciência e não faz exigência nenhuma, nem mesmo Justiça. A Justiça opera apenas dentro das fronteiras das coisas como elas são [...] e, portanto, embora a Justiça seja boa em si mesma e não deseje nenhum mal a mais, pode acabar não mais do que perpetuando o mal que existiu e não o impede de produzir seu fruto de tristeza."


(O Anel de Morgoth, parte três: Leis e Costumes entre os Eldar)


A observação de Tolkien é profundamente perspicaz e encontra notável analogia na Teologia Católica, no Catecismo da Igreja e na Sagrada Escritura.

O Legendarium de Tolkien é todo permeado por temas cristãos, e a frase “Justiça não é Cura” toca o cerne da distinção entre a Lei e a Graça, entre a justiça legal e a Misericórdia Divina.


Justiça e Cura na Doutrina Católica

O conceito tolkieniano reflete a ideia de que a Justiça — entendida como retribuição, “dar a cada um o que lhe é devido” — é insuficiente para restaurar a integridade quebrada pelo mal ou pelo pecado.

A Cura (Redenção e Salvação), por outro lado, é um dom que vai além da mera justiça, atuando por meio da Misericórdia e do Sofrimento Redentor.

 1. A Justiça como Fronteira (O Limite da Lei)

Assim como Tolkien diz que a Justiça opera “apenas dentro das fronteiras das coisas como elas são”, a Lei — seja o Direito Canônico, seja a Lei Mosaica — estabelece os limites do que é lícito e devido, mas não tem poder para remover a raiz do mal.

·         Catecismo da Igreja Católica (CIC):

A Justiça é a virtude moral que consiste na vontade constante e firme de dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido (CIC 1807).

A Lei, porém, ainda que sagrada, não salva por si mesma: mostra o pecado, mas não concede a graça para superá-lo.

Assim, a Lei é pedagoga (cf. Gl 3,24), mas a salvação vem da fé e da graça de Cristo.

·         Código de Direito Canônico (CDC):

O CDC estabelece normas e penas (Cân. 1311ss) “para o bem da Igreja e a salvação das almas” (Cân. 1752).

As penas visam reparar o escândalo, restabelecer a justiça e corrigir o culpado, mas a cura espiritual (salus animarum) é sempre o objetivo supremo — ultrapassando a simples aplicação da sanção.

·         Passagens Bíblicas:

“Pela Lei vem, de fato, o conhecimento do pecado.” (Romanos 3,20)

A Justiça da Lei revela o mal, mas não oferece o remédio; mostra a ferida, mas não concede a cura.

 

2. A Cura pelo Sofrimento e Paciência (Misericórdia e Redenção)

Tolkien afirma que a Cura vem “apenas por meio de sofrimento e paciência” e “não faz exigência nenhuma, nem mesmo Justiça”.

Essa percepção ressoa profundamente na Teologia da Redenção, onde a Misericórdia de Deus supera a Sua Justiça.

·         Teologia Católica (Ato Redentor):

A cura definitiva da humanidade não se deu pela aplicação de uma justiça punitiva, mas pelo ato gratuito de amor de Cristo, que assumiu o sofrimento na Cruz.

Esse sofrimento, vivido com paciência e obediência, é a fonte da nossa cura (Redenção).

Em Cristo, a Justiça divina manifesta-se como Misericórdia (cf. Dives in Misericordia, São João Paulo II).

·         Catecismo da Igreja Católica (CIC):

A Justificação é “a obra mais excelente da misericórdia de Deus” (CIC 2020).

“A justificação continua a iniciativa da misericórdia de Deus, que oferece o perdão, reconcilia o homem com Deus, liberta-o da escravidão do pecado e cura-o.” (CIC 1990)

O sofrimento unido à Paixão de Cristo tem valor salvífico (CIC 1505):

é por meio da paciência e do amor que o sofrimento se transforma em instrumento de cura e redenção.

·         Passagens Bíblicas:

“Porque Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crer não se perca, mas tenha a vida eterna.” (João 3,16)

“O sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo o pecado.” (1 João 1,7)

 

3. A Justiça que Perpetua o Mal (Justiça Humana Incompleta)

A observação de Tolkien — de que a Justiça “pode acabar não mais do que perpetuando o mal que existiu e não o impede de produzir seu fruto de tristeza” — denuncia a insuficiência da justiça retributiva.

A justiça humana, ao tentar reparar o mal apenas pela punição, muitas vezes mantém viva a lógica da retaliação, perpetuando o mesmo princípio de desordem que buscava corrigir.

 A justiça, quando desligada da caridade, tende a espelhar o mal que combate, reproduzindo-o em nova forma. 

“A ira do homem não produz a justiça de Deus.” (Tiago 1,20)

A vingança, ainda que mascarada de justiça, apenas alimenta o ciclo da dor e da culpa — um ciclo que somente o perdão é capaz de romper.

 

        A Justiça sem Misericórdia: limite e tragédia

Na ordem humana, o direito é necessário, mas limitado. Pode punir o infrator, mas não transforma o coração.

Pode restabelecer a ordem externa, mas não reconstituir a comunhão interior ferida pelo pecado. 

O Código de Direito Canônico reconhece isso ao afirmar que toda lei e pena têm como fim último a salvação das almas (Cân. 1752).

Quando a norma se torna um fim em si, esquecendo o bem da pessoa, ela se desvia de sua essência e torna-se farisaica:

“Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, porque dais o dízimo da hortelã e negligenciais os preceitos mais importantes da Lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade.” (Mateus 23,23)

 

        A Misericórdia como plenitude da Justiça

A verdadeira Justiça divina não é simples retribuição, mas restauração amorosa da ordem ferida.

Deus não destrói o pecador para eliminar o pecado — Ele o transforma pela graça.

 

“A misericórdia não suprime a justiça, mas é a plenitude dela.”

(Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, II-II, q.30, a.4)

 

A justiça humana busca equilibrar contas;

a justiça divina busca regenerar comunhão.

No Calvário, Cristo não exigiu compensação, mas ofereceu perdão:

 

“Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.” (Lucas 23,34)Ali, a Justiça e a Misericórdia se beijaram (Salmo 84,11), e o mal foi desarmado pela entrega.

 

        A Cura que impede o mal de frutificar

A Cura, portanto, é a única força capaz de impedir que o mal continue a gerar tristeza.

A justiça, por si só, é reativa; a cura é criativa.

A justiça recompõe o passado; a cura inaugura o futuro.

 

Aquele que cura não exige compensação, mas oferece compaixão.

Assim é Cristo, que toma sobre Si a culpa alheia para que o mal não mais frutifique.

 

“A misericórdia triunfa sobre o juízo.” (Tiago 2,13)

 

Conclusão

A distinção entre Justiça e Cura que Tolkien traça é uma verdadeira chave para compreender o coração do Evangelho.

A Lei é necessária, mas apenas a Graça cura.

A Justiça ordena o mundo como ele é;

a Misericórdia o recria como ele deveria ser.

 

A Cura é o nome teológico do amor que vai além do direito.

E é nesse ponto que a sabedoria de Tolkien toca a mais profunda verdade cristã:

 

A redenção não é um ato de justiça satisfeita, mas de amor crucificado.



Diác. Adriano Gomes

 Correção Ortográfica, formatação ABNT e associação das fontes e citações com auxilio do ChatGPT

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

A Celebração da Exaltação da Santa Cruz:


1. Origem e Significado da Festa

A Festa da Exaltação da Santa Cruz, celebrada em 14 de setembro, remonta ao século IV, quando a imperatriz Santa Helena encontrou a verdadeira Cruz de Cristo em Jerusalém. Também recorda a dedicação da Basílica do Santo Sepulcro em 335.
A Igreja não celebra a Cruz como objeto decorativo, mas como sinal supremo de nossa salvação, instrumento da Redenção pelo sacrifício de Cristo.

O Missal Romano define o caráter da celebração:

“A Igreja exalta a Santa Cruz, na qual Cristo, obediente até a morte, venceu a morte e o pecado, e nos trouxe a vida e a salvação.”

Portanto, o sentido central da festa é a vitória da Cruz e não a sua estética exterior.

2. Estrutura Litúrgica Oficial

a) Cor e Ornamentação

  • Cor litúrgica: Vermelho, que simboliza o sangue derramado na Cruz e a vitória do martírio.
  • Ornamentação: A IGMR (Instrução Geral do Missal Romano) nº 305 lembra:

“A ornamentação do altar deve ser sempre moderada, evitando excessos.”
Portanto, não há fundamento litúrgico para enfeitar a Cruz com flores, fitas ou adornos teatrais, pois a Cruz já é por si mesma sinal de triunfo e sacrifício.

b) Proclamação da Palavra

  • 1ª leitura: Nm 21,4-9 – A serpente levantada no deserto como prefiguração da Cruz.
  • Salmo responsorial: Sl 77 (78) – Louvor a Deus pelas suas obras.
  • 2ª leitura: Fl 2,6-11 – O hino cristológico da obediência até a morte de Cruz.
  • Evangelho: Jo 3,13-17 – “Assim como Moisés levantou a serpente no deserto, é necessário que o Filho do Homem seja levantado...”

A liturgia da Palavra mostra que a Cruz é instrumento de salvação, jamais ornamento estético.

c) Prefácio da Santa Cruz

O Prefácio próprio exprime a teologia central:

“No lenho da Cruz estava a nossa morte, mas no lenho da Cruz ressurgiu a vida.”
Este texto reforça a centralidade da Cruz como altar de sacrifício e vitória de Cristo, não como objeto a ser embelezado.

3. Teologia da Cruz segundo a Tradição

Os Padres da Igreja sempre destacaram a Cruz como escândalo para o mundo, mas glória para os fiéis (cf. 1Cor 1,23).

  • São João Crisóstomo: “A Cruz é a esperança dos cristãos, a ressurreição dos mortos e o cajado dos enfermos.”
  • Santo André de Creta: “Gloriemo-nos, portanto, na Cruz do Senhor. Toda a nossa salvação está nela.”

A ornamentação excessiva, ao transformar a Cruz em adorno, esvazia o seu valor teológico, reduzindo-a a objeto de estética e não de fé.

4. O que a Igreja recomenda e o que evitar

Recomendações:

  • Celebrar com solenidade própria (glória e credo).
  • Dar destaque à procissão de entrada com a Cruz elevada.
  • Usar o Prefácio da Santa Cruz.
  • Catequese explicativa sobre o significado da Cruz, conforme o Catecismo da Igreja Católica §§616-618; 619-623.

Deve-se evitar:

  • “Enfeitar” a Cruz como se fosse mero ornamento festivo.
  • Práticas alheias à liturgia oficial (exagero de flores, panos coloridos, símbolos estranhos ao rito).
  • Substituir a sobriedade da Cruz por elementos decorativos que obscureçam o mistério pascal.

5. Conclusão

A Exaltação da Santa Cruz é antes de tudo memória da vitória de Cristo sobre a morte e o pecado. A liturgia romana, com sua sobriedade e riqueza, já contém todos os elementos necessários para viver plenamente esta celebração.
Enfeitar a Cruz de modo extravagante é um desvio que empobrece o sentido teológico do mistério. O verdadeiro adorno da Cruz é a fé da Igreja, expressa na liturgia oficial que proclama:

“Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos, porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.”

sábado, 9 de agosto de 2025

"O hoje é o tempo de Deus"

 Queridos irmãos e irmãs em Cristo,


Hoje quero convida-los a refletir sobre uma tentação silenciosa, mas muito presente em nossas vidas: a de viver aprisionados ao passado ou ansiosos pelo futuro, e assim deixar escapar a graça do presente. Como diz a frase: "Quem vive no passado em função do amanhã não vive o hoje."

O Evangelho e a Tradição da Igreja nos mostram que o único tempo real para encontrar Deus é o agora. É no hoje que Deus age, que a graça se manifesta, que o amor pode ser vivido.


1. O ensinamento de Jesus sobre o tempo presente

No Evangelho de Mateus (6,34), Jesus nos diz:

"Não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá suas próprias preocupações. Basta a cada dia o seu mal."

Ele não nos convida à irresponsabilidade, mas à confiança. Quantas vezes vivemos remoendo mágoas antigas ou imaginando um futuro ideal, enquanto deixamos escapar as oportunidades de amar e servir no presente?

O salmista proclama: "Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos" (Sl 118,24). O dia de hoje é dom de Deus. Cada instante é um presente divino.


2. A sabedoria de São Paulo

São Paulo, na Carta aos Filipenses (3,13-14), testemunha:

"Esquecendo-me do que fica para trás e avançando para o que está à frente, prossigo para o alvo..."

Ele nos ensina a não carregar pesos desnecessários. O passado, com suas dores e culpas, deve ser entregue à misericórdia de Deus. O futuro, com suas incertezas, deve ser confiado à Sua providência. O presente é o lugar onde se decide a santidade.


3. O olhar da Tradição

Santo Agostinho, nas Confissões, nos recorda que o presente do passado é a memória, o presente do presente é a visão, e o presente do futuro é a expectativa. Ou seja, só o presente é real.

São Basílio Magno exorta: "Não deixes para amanhã as boas obras que podes fazer hoje, pois o amanhã não está sob teu poder."
E São Francisco de Sales nos conforta: "Não te perturbes com o que poderá acontecer amanhã; o mesmo Pai eterno que te cuida hoje, cuidará de ti amanhã e sempre."


4. Aplicação espiritual

Queridos irmãos, muitos de nós vivemos de duas formas que nos afastam de Deus:

  • O peso do passado: culpas não entregues, feridas não curadas, saudades que se tornam prisão.
  • A ansiedade pelo futuro: medo do que virá, planos que substituem a confiança, adiamento da conversão.

O Senhor nos convida a viver o que Jean-Pierre de Caussade chamou de Sacramento do momento presente — acolher cada instante como lugar de encontro com Deus.


O Senhor nos diz:

  • Ao passado, entrega à misericórdia.
  • Ao futuro, entrega à providência.
  • Ao presente, entrega o coração.

Não deixemos que as correntes do ontem ou as sombras do amanhã nos roubem a alegria de viver o agora na presença de Deus. Hoje é o dia favorável, hoje é o tempo de salvação (cf. 2Cor 6,2).



Senhor, dá-nos a graça de viver o hoje com amor, sem nos deixarmos prender pelo que já passou ou pelo que ainda não chegou. Ensina-nos a confiar no Teu cuidado, a amar no momento presente e a caminhar com o coração livre rumo ao Teu Reino. Amém.

Diác. Adriano Gomes


Correção de texte, inserção de citações e referências com auxilio do assistente virtual ChatGPT

quarta-feira, 23 de julho de 2025

A Vida e o Tempo: Uma Reflexão à Luz da Doutrina Católica

 

A vida segue, com ou sem o nosso consentimento, porque está intrinsecamente conectada ao tempo — e o tempo, como dom de Deus, não cessa, não se detém, não retrocede. Avança com firmeza, silencioso e implacável. Ainda que, por vezes, tenhamos a ilusão de acelerá-lo com nossa pressa cotidiana, jamais poderemos abrandar sua marcha ou adiar seu curso. Diante desta realidade, somos convidados a não apenas assistir à vida passar, mas a nela mergulhar com consciência, responsabilidade e esperança. Pois esta vida é finita — tem um início, um meio e, inevitavelmente, um fim.

A Sagrada Escritura nos adverte: “Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos um coração sábio” (Sl 90,12). O salmista clama a Deus que o ser humano aprenda a reconhecer a brevidade de sua existência terrena, para que, a partir dessa consciência, viva com sabedoria. Viver não é simplesmente existir, mas fazer do tempo um espaço de salvação e de santificação.

A Igreja nos ensina que a vida humana é um dom precioso de Deus, concedido para que nela e por meio dela se cumpra um propósito eterno. O Catecismo da Igreja Católica afirma: “A vida humana é sagrada porque desde o seu início comporta a ação criadora de Deus e permanece para sempre numa relação especial com o Criador, seu único fim” (CIC, §2258). Portanto, cada instante da vida é um tempo de graça, uma oportunidade de comunhão com Deus e com os irmãos.

Não fomos criados para simplesmente passar pelo mundo. Somos chamados à plenitude da vida, que é a própria participação na vida divina: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10), disse o Senhor. Essa abundância não se refere a uma mera multiplicação de experiências ou conquistas materiais, mas à qualidade espiritual da existência, ao viver segundo o amor, a verdade e a justiça do Evangelho.

Santo Irineu de Lyon afirmava com sabedoria: “A glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem consiste na visão de Deus” (Adversus Haereses, IV, 20,7). Logo, viver de maneira plena é viver em Deus e para Deus. Não se trata de um moralismo estéril, mas de uma existência fecunda, marcada por escolhas que apontam para o bem, para o amor ao próximo, para o serviço e para a esperança na eternidade.

A finitude da vida não deve nos paralisar com medo, mas nos despertar para o valor do hoje. O Concílio Vaticano II recorda que “o homem, ao tomar consciência da sua morte, é chamado a um destino eterno” (Gaudium et Spes, 18). Nossa existência não se esgota com a morte, mas é transformada. A morte, embora dolorosa, é o limiar da vida eterna. Como ensina São Paulo: “Se vivemos, é para o Senhor que vivemos; se morremos, é para o Senhor que morremos. Portanto, quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor” (Rm 14,8).

Neste sentido, viver é preparar-se para o encontro definitivo com o Pai. É converter cada dia, cada escolha e cada gesto em resposta amorosa à graça recebida. É transformar o tempo em eternidade por meio da caridade, do perdão, da entrega.

Por isso, ao olharmos para nossa vida e refletirmos sobre o tempo que passa, a pergunta que deve ecoar em nosso coração é: O que fiz de minha vida, de meu tempo? Não como quem se atormenta pelo passado ou se angustia pelo futuro, mas como quem deseja dar sentido pleno ao presente, ao “hoje” da salvação (cf. Lc 19,9).

Assim, que possamos viver e fazer de nossa vida uma vida plena e feliz — não segundo os critérios efêmeros do mundo, mas à luz do Evangelho — enquanto a vida não chega ao seu termo, e enquanto não chega a hora de nos apresentarmos, com as mãos cheias de amor, diante d’Aquele que nos deu a vida.

Diác. Adriano T Gomes

Com o auxílio de Valouther*, assistente digital baseado na IA da OpenAI

 

*Valouther é uma inteligência artificial treinada pela OpenAI (Chat GPT), utilizada aqui como apoio na redação, estruturação e ampliação do conteúdo com fidelidade à doutrina católica.